segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A história ‘entrelinhada’ na ficção..> "Grande Sertão: Veredas"

                                                           Guimarães Rosa


 "SERTÃO, O SENHOR SABE, É ONDE MANDA QUEM É FORTE,

COM AS ASTÚCIAS.  DEUS MESMO, QUANDO VIER,

QUE VENHA ARMADO !!"



Nesta obra de Guimarães Rosa, o sertão é visto e vivido de uma maneira subjetiva e profunda, e não apenas como uma paisagem a ser descrita, ou como uma série de
 costumes que parecem pitorescos. 
Sua visão resulta de um processo de integração total entre o autor e a temática, e dessa integração a linguagem é o reflexo principal.
 Para contar o sertão, Guimarães Rosa utiliza-se do idioma do próprio sertão, falado por Riobaldo em sua extensa e perturbadora narrativa.
Encontramos em ´Grande Sertão-Veredas´ dimensões universais da condição humana - o amor, a morte, o sofrimento, o ódio, a alegria - retratadas através das lembranças do jagunço em suas aventuras no sertão mítico, e de seu amor impossível por Diadorim.


 O autor desta bela obra  recria a linguagem regional, cria palavras
 novas, ecupera o significado de outras, faz empréstimos de termos
 de línguas estrangeiras, invocando seus conhecimentos de poliglota, 
para tirar da palavra o máximo efeito em razão da dinâmica do discurso,
 ou bem de uma co-realidade de estruturas que se projeta de seu laboratório 
produtivo e a forma como estabelece relações sintáticas surpreendentes, 
revalorizando e universalizando a linguagem dentro do sertão.
 Percebe-se portanto uma linguagem trabalhada que não obedece ao sistema linguístico dos bem-falantes nem reproduz o falar do sertanejo. 

É uma linguagem articulada, cheia de significações.

No elaborar da sua gênese linguística, são flagrantes os processos da língua (parassíntese, aglutinação,etc.) imersos na musicalidade da fala sertaneja

Nela, a criação da expressão verbal aproxima-se, demasiadamente, da metáfora poética, na qual a palavra assume uma mistura de significações, não só no plano semântico (do significado), mas também no fonético (sons). 

Estabelece relações íntimas entre o significado e o significante das palavras e abole as diferenças entre a narrativa e a lírica, empregando uma linguagem poética, aliterações, onomatopeias, rimas internas, ousadias na forma das palavras, elipses, cortes, deslocamentos sintáticos, vocabulário inusitado baseado em arcaísmos ou neologismos, fazendo associações raras, metáforas, anáforas e metonímias.

Considerada uma das mais significativas obras da literatura brasileira. Publicada 
em 1956, inicialmente chama atenção por sua dimensão – mais de 600 páginas
– e pela ausência de capítulos. Guimarães Rosa fundiu nesse
 romance elementos do experimentalismo linguístico da primeira 
fase do modernismo e a temática regionalista da segunda fase 
do movimento.


A obra, uma das mais importantes da literatura brasileira, é elogiada pela linguagem e pela originalidade de estilo presentes no relato de Riobaldo, ex-jagunço que relembra suas lutas, seus medos e o amor reprimido por Diadorim.


O romance invade regiões mais sombrias da narrativa, isto é, a relação mesma de Riobaldo e Diadorim.
 A amizade e o amor se confundem durante a travessia dos dois jagunços. 
Ainda que os dois personagens se unam pelo regime da violência, o sentimento que catalisa a relação deles parece estranho àquele universo de rifles, gritos e morte por onde se faz a narrativa de Grande Sertão: Vereda

Segundo a Professora Marcia Marques: 

"Para o Grande Sertão existem dois tipos de leitor: quem nunca o leu e quem não conseguiu ler só uma vez (...) então aquele início de recepção foi um início problemático, porque a linguagem, ela causa aquele estranhamento inicial, ela é explorada até os seus primórdios, mas é uma linguagem tão forte que ela começa a calar muito fundo em quem lê o Grande Sertão." 

Em tese, trata-se de um argumento bastante simples:

 homem relembra a vida e, ao recontá-la, refaz o percurso de suas andanças, tristezas e felicidades. No vídeo a crítica literária nos diz: 
"Resumir Grande Sertão: Veredas é muito difícil. 
Trata-se de um grande, longo, denso monólogo de Riobaldo, 
um jagunço, que ao narrar sua história, já é um ex-jagunço, no meio
 da história da jagunçagem (...) 
O problema, contudo, encontra-se no modo pelo qual se constrói a narrativa, repleta de ações paralelas e casos inusitados, sobre os quais o engenho e arte de Guimarães Rosa deram vida e significado.”


A obra é construída por uma longa narrativa oral em que Riobaldo, também conhecido como Tatarana ou Urutu-Branco, um ex-jagunço já envelhecido, relata sua experiência de vida a um interlocutor que não se manifesta, mas é possível perceber sua opinião através das inferências de Riobaldo. Portanto, Riobaldo é o narrador-personagem do livro.

Suas histórias de vingança, lutas, perseguições, medos, dúvidas e amores pelos sertões de Minas Gerais, de Goiás, do sul da Bahia são contadas sempre com uma reflexão sobre tudo que lhe aconteceu. Essas histórias vão sendo entrelaçadas e expostas com a preocupação do narrador-personagem de discutir a existência ou não do diabo, fato do qual depende a salvação de sua alma, pois, quando jovem, para vencer seu maior inimigo Hermógenes, Riobaldo parece ter feito um pacto com o demo. Entretanto, apesar da evidência disso em algumas passagens da obra, não fica claro a existência e confirmação deste, assim, cabe ao leitor fazer suas interpretações.

Um dos motes do romance, trata se sobre a existência ou não do "Diabo",
 e se verdadeira a sua condição de pactuário. 
Trata-se aí de outra representação do 
Princípio de Reversibilidade: durante a narrativa, 
o narrador oscila entre o crer e
 o não crer, a existência e a inexistência do "coisa-ruim".
Cquote1.svg"Nonada. O diabo não há! É o que eu digo, se for... Existe é homem humano."Cquote2.svg
Cquote1.svg"O Diabo no meio da rua."Cquote2.svg

Diadorim tinha como objetivo vingar a morte do pai e consegue, após muitas lutas e andanças. Em sangrento duelo, mata Hermógenes, mas é ferido mortalmente.Após o trágico fim de Diadorim, Riobaldo desiste da vida de jagunço e adota um comportamento de devoção espiritual, orientado pelo seu compadre Quelemém. Casa-se com Otacília e torna-se proprietário, ao receber duas fazendas de herança, assumindo, assim, a condição almejada de "homem definitivo".
A linguagem narrativa de Grande Sertão: Veredas ora aproxima-se do registro popular em
que o universo dos jagunços se faz existir, ora afasta-se dele para permitir certa margem de manobra ao escritor na criação de um vocabulário próprio, cujas raízes encontram-se esparramadas pelas inúmeras línguas de que Guimarães Rosa tinha conhecimento. O depoimento da Professora Heloísa M. Starling nos diz: 
"Se você lê o Grande Sertão em voz alta, tem horas que na batalha o ritmo acelera, depois tem horas que você vai lendo, parece um carro de bois, mesmo, o ritmo é lento, então o Tom Jobim dizia que tem vários ritmos, então seria legal na hora que você lia em voz alta porque você percebia sons do livro."

Em nível mais profundo, o tema do romance também não escapa desse movimento 
de ida e vinda. 
O universo sertanejo, pelas mãos hábeis do escritor, abre-se como o palco de paixões humanas, de modo que os sentimentos pelos quais Riobaldo animou a sua existência poderiam acontecer em qualquer época ou lugar. 
Daí o caráter universal do romance. 

O depoimento do Professor Willi Bolle nos diz: "Grande Sertão: dois universos paralelos (...) é uma montagem em contraste. 
Com isso o autor se refere a dois universos de linguagem, dois mundos de fala
De um lado, o grande discurso, a grande eloqüência, a norma culta
do outro lado, as veredas, a fala humilde das pessoas que moram no sertão. 

As veredas são os cursos de água e, por extensão, as clareiras onde se estabelecem mais facilmente as moradias”. Ao mesmo tempo, a evocação de um conjunto de significados tão característico do ambiente do sertão impõe à obra um forte traço particular, do qual Guimarães Rosa não pretende escapar. 
Por isso, a fortuna crítica de Grande Sertão insiste em marcar o movimento ambivalente da narrativa, sempre oscilante entre o regional e o universal.


Estamos diante de uma obra orgânica, cujos alicerces de sustentação se 
encontram todos fincados no espírito criativo daquele que é considerado o maior 
escritor brasileiro do século XX. 

 Antônio Cândido, que é um crítico, diz que o Grande Sertão tem tudo para quem estiver a ler: a vegetação do sertão, a botânica (...) o historiador vai encontrar a marca do seu ofício, o botânico vai encontrar, o ecologista vai encontrar, o sociólogo vai encontrar, o filósofo vai encontrar. O Tom Jobim foi lá e ouviu música no Grande Sertão. Ele botou o livro no ouvido, igual concha do mar e ouviu música”.

Grande Sertão: veredas abre parênteses para inúmeras análises literárias, pois é uma obra abrangente que discute a travessia da vida com todos os seus conflitos e labirintos diabólicos. 
O romance retrata o homem com suas projeções, ações e omissões em um mundo indiferente. É a afirmação dos conflitos humanos construindo e destruindo as teias de vivências; vivendo os paradoxos necessários. 

Tutora
Maria Rosa

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